Podemos entender uma partida de xadrez como um percurso mais ou menos sinuoso entre a abertura e o final. Cada jogador sonha percorrer esse percurso numa trajetória mais ou menos suave (percurso encarnado) mercê dos seus conhecimentos, e simultaneamente tornar tão complexo quanto possível a vida do oponente (percurso amarelo). Assim, uma partida de xadrez talvez possa ser representada por uma sucessão de caminhos por uma cordilheira montanhosa, como múltiplos obstáculos como o representado na figura acima.
Se conseguirmos percorrer o percurso mais equilibrado ao longo da partida temos a vantagem de fazer menos esforço e estaremos mais disponíveis para abordar energeticamente os pontos chaves – estados de transição (como o pequeno circulo no centro do desenho onde se cruzam as trajetórias). Porém o jogador que percorre a trajetória mais complexa, atinge os pontos chaves cansado e tem maior probabilidade de não aproveitar aí os motivos táticos ou estratégicos mais simples que lhe possam surgir.
Para exemplificar como uma partida de Xadrez é uma aventura atribulada cheia de pontos chaves vamos ver a partida entre o Romeno Richard Belecciu (de brancas) e o Brasileiro André Pereira (de negras), na 7ª ronda do Torneio Interno 2017 Clube Peões da Caparica. Para não maçar iremos apenas discutir meia-dúzia de pontos chaves (estados de transição) desta fantástica partida entre dois aficionados Peoninos.
No 9ª jogada as brancas retiram o Bispo para b3 resultando na posição de transição 1
Esta posição aparenta uma vantagem considerável para as
brancas nomeadamente em desenvolvimento e espaço, embora ainda não tenham feito
Roque. Como poderão continuar as negras para procurar igualar, e encontrar a
tal trajetória mais curta?
Os programas de análise de jogo dão uma vantagem de quase dois
peões para as negras se jogassem aqui 9. … c5 [9. …c5 10. Nf5 Bxf5 11. exf5 c4 12. Ba4 a6 13. g4 b5 14. g5] Mas as
negras jogaram primeiro 9. … a6 seguido de 10. … c5. Nesta altura já foi tarde,
pois a posição resultante era equilibrada.
No 14º lance as negras jogaram de forma provocatória 14. … Bg5; atingindo-se
a estrutura de transição 2.
As negras pretendem neutralizar o defensor Bispo branco. As brancas jogaram Dama d2 complicando a sua posição, se seguisse por exemplo com 15. … Cc4. O programa de análise propõe que a trajetória mais suave para as brancas seria 15. f4. Porém, o Richard não pretendia, tão cedo, alterar definitivamente a sua estrutura defensiva de Peões.
As brancas pretenderam tomar contra do centro e distraidamente jogaram 18. Td2 originando a estrutura de transição 3.
Nesta posição é de sonhos para o bando verde e amarelo. Com facilidade o André poderia ter tomado conta do jogo e ter ficado com vantagem de 3 Peões, com a simples manobra 18. … Cc4 19. … Cxb2 20. …Cc4 21. … Cxd2. Todavia, o André queria ganhar o jogo e não material. As peças negras apontam todas à ala de Rei e desviar o Cavalo para c4 era quase um sacrilégio da posição Brasileira.
E aí o André tirou da cartola 18. … Cg4. E esta hein? (como diria o inesquecível jornalista Fernando Pessa)
Não se compreende facilmente porquê as negras oferecem um Cavalo. Porém, as brancas mandando às ortigas as regras da Escola Russa (que impõe tomar sempre na direção do centro) comem do centro para a periferia: 19. fxg4.
Após energéticas trocas de peças, joga-se 21. Cf4. E o jogador de negras que passou ao lado de todas as trajetórias mais fáceis, está cansado e comete um erro primário jogando 21. ... Txf4.
Algumas jogadas confusas seguem-se e a posição cai na estrutura de transição 6 abaixo.
A posição é um tanto aguda. As negras talvez pudessem considerado trocar a Torre e Cavalo pela Dama branca. Porém, o cansaço impos o jogo mais fácil 26. … Txc2.
As brancas nesta situação só sonham converter o seu Peão de d em Dama e com ligeireza interromperam alinha de mate interpondo Cavalo.
Aqui ambos os jogadores estão cansados, e em apuros de tempo. A posição tem sabor a Natal! Descubram o presente que as negras dispensaram ao jogarem 27. … e5.
Boas Festas!!